“Ainda Estou Aqui”: Brasil no Oscar em domingo de carnaval

 

Além da indicação a melhor atriz, com Fernanda Torres, e a filme internacional, “Ainda Estou Aqui” é a primeira obra cinematográfica do Brasil e da América do Sul a concorrer ao Oscar de melhor filme, cujo vencedor será anunciado no domingo de carnaval

 

O Brasil amanheceu na quinta (23) em clima de final de Copa do Mundo, com as três indicações ao Oscar ao filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles. Não só a filme internacional e atriz, categorias a que já tinha sido indicado no Globo de Ouro. Que deu prêmio inédito a um(a) brasileiro(a) com Fernanda Torres como atriz dramática. Em outro ineditismo histórico: nos 96 anos do Oscar, foi a primeira vez que uma obra do Brasil e da América do Sul foi indicada ao Oscar de melhor filme — maior prêmio da indústria do cinema de Hollywood.

Brasil a filme estrangeiro — A primeira edição do Oscar é de 1929. Mas a categoria de filme estrangeiro (depois internacional) só passou a ser entregue regularmente em 1957. Desde então, quatro filmes brasileiros foram indicados à categoria: “O Pagador de Promessas” (1962), de Anselmo Duarte; “O Quatrilho” (1995), de Fábio Barreto; “O Que é isso, Companheiro?” (1997), de Bruno Barreto; e “Central do Brasil” (1998), outro de Walter Salles.

 

Os brasileiros “O Pagador de Promessas”, “O Quatrilho”, “O Que É Isso, Companheiro?” e “Central do Brasil” concorreram ao Oscar de melhor filme estrangeiro (hoje, internacional), mas não levaram (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Fernanda Torres levou o Globo de Ouro de melhor atriz dramática na madrugada brasileira de 6 de janeiro

Fernandas, a revanche — Nenhum desses quatro filmes brasileiros levou o Oscar. Mas, em outra coincidência histórica, no último, Fernanda Montenegro, mãe de Fernanda Torres, foi indicada ao Oscar de melhor atriz. Dirigida pelo mesmo Walter em “Central”, Fernandona também havia sido indicada ao Globo de Ouro de melhor atriz dramática. Se não ganhou, viu a filha disputar e conquistar, 26 anos depois, o mesmo prêmio. E dedicá-lo, emocionada, à mãe.

Melhor atriz no Globo de Ouro de 1999 — Muito se tem falado em reparação histórica de Fernandona por Fernandinha. Mas, nacionalismo e torcida à parte, de direita ou esquerda, a questão é sempre mais complexa. Fernanda Montenegro perdeu o Globo de Ouro de 1999 para a australiana Cate Blanchett. É atriz do nível da brasileira que vinha de atuação igualmente irretocável em “Elizabeth” (1998), de Shekhar Kapur.

 

Walter Salles, Vinívius Oliveira e Fernanda Montenegro com o Globo de Ouro que “Central do Brasil” levou como filme de língua não inglesa em 1999

 

Melhor atriz no Oscar de 1999 — No Oscar daquele mesmo ano, sim, é que as craques Montenegro e Blanchett perderiam a estatueta dourada para uma estadunidense nada mais que regular: Gwyneth Paltrow. Por sua atuação açucarada na comédia romântica “Shakespeare Apaixonado” (1998), de John Madden.

Injustiças históricas — Não foi, no entanto, a maior injustiça do Oscar. O irlandês Peter O’Toole e o ítalo-estadunidense Robert De Niro não levaram o prêmio de melhor ator por suas atuações, respectivamente, em “Lawrence da Arábia” (1962), de David Lean; e “Taxi Driver” (1976), de Martin Scorsese. E ambas estão entre as maiores da história do cinema. Como a do suíço Bruno Ganz em “A Queda — As Últimas Horas de Hitler” (2004), de Oliver Hirschbiegel, que sequer foi indicado ao Oscar de ator. A personagem contou mais que sua visceral interpretação.

 

Peter O’Toole, em “Lawrence da Arábia”; e Robert De Niro, em “Taxi Driver”, não levaram o Oscar de melhor ator. Bruno Ganz, por “A Queda — As Últimas Horas de Hitler”, sequer foi indicado (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

O lobby e a desgraça da Miramax — Em 1999, o que definiu o Oscar de melhor atriz a Paltrow foi o lobby financeiro da então toda poderosa produtora estadunidense Miramax. Como o de filme estrangeiro ao italiano “A Vida é Bela” (1997), de Roberto Benigni, que bateu o brasileiro “Central”. Foi antes de o fundador da Miramax Harvey Weinstein cair em desgraça em 2017, com denúncias de assédio sexual a mais de 80 mulheres na indústria cinematográfica.

O lobby e o paradoxo do “politicamente correto” — Em 2025, o lobby que prevalece há alguns anos em Hollywood é oposto: o “politicamente correto” da esquerda identitária. Que foi exportado dos EUA ao mundo, a partir dos anos 1990, com o mesmo sucesso do seu cinema. E é, paradoxalmente, a maior virtude e dificuldade a “Ainda Estou Aqui” na premiação do Oscar na noite do próximo dia 2 de março, num domingo de carnaval.

Hollywood contra Trump — Por denunciar os crimes da última ditadura militar do Brasil (1964/1985), o filme de Walter e Fernandinha, além das suas inegáveis virtudes artísticas, ganha força política. Numa Hollywood que tem se colocado, pelo menos desde 2016, como trincheira de resistência cultural à extrema direita. Que, neste 2025, inicia o ano mais empoderada do que nunca com Donald Trump de volta à presidência dos EUA.

 

A extrema direita de volta ao poder nos EUA com Donald Trump tem em Hollywood uma trincheira de resistência cultural

 

Produção da França ambientada no México, com atores espanhóis e estadunidenses de ascendência latina, “Emilia Pérez” tem sido bastante criticado pelos mexicanos, que consideram o filme esteriotipado, mas levanta a bandeira LGBTQIA+ no Oscar

México sem mexicanos — Pelo mesmo motivo político, também ganha força o, talvez, mais forte adversário do filme brasileiro: “Emília Pérez”, de Jacques Audiard. Produção francesa ambientada no México, o musical de comédia criminal traz atores espanhóis e estadunidenses de ascendência latina. Que, por isso, tem sido considerado estereotipado e bastante criticado pelos mexicanos. Mas colhe sucesso em festivais internacionais com sua história de um chefe do narcotráfico em sua afirmação como mulher trans, que leva a bandeira LGBTQIA+ ao Oscar.

Recordista — Além de também concorrer, como “Ainda Estou Aqui”, nas categorias de filme, filme internacional e atriz — com a espanhola Karla Sofía Gascón —, “Emilia Pérez” foi indicado em outras 10 categorias. No total de 13, foi não só o recordista da atual edição do Oscar, como o filme em língua não inglesa que até hoje recebeu mais indicações ao maior prêmio de Hollywood.

Chances a atriz — No Globo de Ouro de janeiro, que divide suas categorias entre comédia/musical e drama, quem levou como melhor atriz na primeira, por sua atuação em “A Substância”, de Coralie Fargeat, foi Demi Moore. Ela, Gáscon e a inglesa Cynthia Erivo — por “Wicked”, de Jon M. Chu —  são as três mais fortes adversárias de Fernanda Torres em 2025. Ao Oscar que Fernanda Montenegro não levou em 1999.

 

Demi Moore, por “A Substância”; Karla Sofía Gascón, por “Emilia Pérez”;  e Cythia Erivo, por “Wicked”, são as competidoras mais fortes de Fernanda Torres ao Oscar de melhor atriz (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Chances a filme e filme internacional — A inédita indicação de um filme brasileiro e sul-americano ao Oscar de melhor filme já pode ser considerada um prêmio a “Ainda Estou Aqui”. Como a toda a cultura do país e sua resistência democrática ao autoritarismo do passado mais distante e recente. Para filme estrangeiro, há chance ao Brasil. Mas o favorito político parece ser o francês trans de mexicano “Emilia Pérez”. A ver.

 

“Ainda Estou Aqui” e seus competidores ao Oscar nas categorias filme, atriz e filme internacional (Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Capa da Folha Dois da edição de hoje da Folha da Manhã

 

Indicações do Brasil ao Oscar por cineastas, atrizes e críticos de Campos

Por Joseli Matias

 

As três indicações do filme “Ainda estou aqui” ao Oscar também repercutiram em Campos. Profissionais ligados ao cinema avaliaram o desempenho da obra e da atriz Fernanda Torres e os reflexos para a arte brasileira e de Campos.

Fernando Souza, cineasta e produtor

— A premiação já recebida no Globo de Ouro, a sua aclamação em Veneza e essas três indicações do filme, em diferentes categorias do Oscar, reafirmam internacionalmente a força artística da cinematografia brasileira. Como cineasta e produtor, destacaria em primeiro lugar que tudo isso reaproxima de forma muito afetuosa a sociedade do nosso cinema, com os nossos artistas e o fazer cinematográfico. É uma enorme alegria a gente ter como principal pauta do dia o feito internacional de um filme brasileiro. E isso é feito extraordinário, que nos enche de orgulho, afirma a nossa brasilidade e que precisa ser celebrado. A gente espera que o filme impulsione e desperte ainda mais a audiência do público com filmes brasileiros, com a nossa literatura, o teatro e as nossas artes em geral. Viva o Cinema Brasileiro! — destacou o cineasta e produtor Fernando Sousa.

Fernando espera que esse prêmio e indicações abram reflexão sobre a necessidade de ser criada uma secretaria de Cultura que se dedique ao tema da cultura, do audiovisual e da economia criativa em geral na cidade. “Contar com uma secretaria de Cultura é fundamental para que se tenha políticas públicas consistentes, estratégias articuladas de investimento público na área e para que se possa atrair novos recursos e investimentos, públicos e privados. Campos e o Norte Fluminense possuem uma diversidade potente de desenvolvimento e criações artísticas, que precisam de investimentos e reconhecimento. Para que isso aconteça precisamos de uma atuação mais articulada do poder público local. Além disso, é muito significativo que essa premiação aconteça no contexto em que estamos trabalhando na realização do Festival Internacional Goitacá de Cinema, que abrigará o Seminário de Cinema e Audiovisual do Norte e Noroeste Fluminense, o Cine Market Goitacá e um programa de formação. Essas iniciativas acontecem junto com a retomada do novo projeto da Escola de Cinema e Audiovisual, que volta a ganhar corpo na Uenf e na cidade”.

Adriana Madeiros, atriz

— Acordar com essa notícia foi emocionante! Foi uma surpresa sermos indicados para três categorias. Fernanda é um acontecimento. Não só pela indicação de melhor atriz, mas por sua escrita e postura como mulher humanamente engajada nas questões culturais e políticas. Fernanda entregou uma performance emocionante, cheia de silêncios e adornos que só grandes artistas sabem entregar. Depois de vivermos anos tão obscuros, assistindo ao quanto a arte e a cultura estavam fragilizadas, saber dessas indicações é um prêmio. Sinto uma festa dentro de mim quando sei que temos um filme, nosso primeiro, concorrendo ao maior prêmio da indústria cinematográfica. Isso é de extrema riqueza para o cinema nacional que bravamente resiste aos arrogantes e ignorantes que permeiam a política do nosso país. Não é apenas um filme político, mas é também. Todas as conquistas desse filme trazem à tona a importância de se investir, aqui, na nossa Campos, no audiovisual, algo tão sonhado por Darcy Ribeiro — ressaltou a atriz Adriana Medeiros.

Felipe Fernandes, cineasta e crítico de cinema

— Hoje, o cinema brasileiro vive um momento histórico. As três indicações ao Oscar de “Ainda Estou Aqui” representam um marco, principalmente pela indicação inédita na categoria de melhor filme. Independentemente das indicações, o filme já vem sendo um marco por outros motivos, como o fato de atrair o público brasileiro para as salas de cinema e resgatar o orgulho da população pelo nosso cinema. Esse, tantas vezes criticado pelo grande público. Junto a “O Auto da Compadecida 2”, “Ainda Estou Aqui” tem sido um dos responsáveis pelo retorno do público às salas de cinema. Essas indicações reforçam esse movimento, não só pela expansão do número de salas exibindo essas produções, mas também pelo crescente interesse de um público mais engajado com as obras nacionais. O Oscar ainda exerce esse poder. Todos os anos, vários filmes brasileiros concorrem a diferentes prêmios nos maiores festivais do mundo. O Oscar talvez seja a última barreira a ser superada. Esse reconhecimento e, especialmente, o interesse renovado do público são fundamentais para o fortalecimento do cinema brasileiro como indústria. Essas indicações são uma vitória para nossa cultura e nosso cinema, que, certamente, a longo prazo, refletirão em um desenvolvimento significativo da produção nacional. Este momento de crescimento é propício para a formação de novos públicos, para o fortalecimento da indústria e, principalmente, para a criação de novas escolas de cinema e a possibilidade de inserção de disciplinas sobre a sétima arte no currículo escolar. Lembrando que a exibição de filmes nacionais agora é obrigatória em escolas da educação básica. Este momento de resgate do orgulho pelo cinema nacional, aliado ao forte engajamento na internet, demonstra que os efeitos vão além das indicações — afirmou o cineasta e crítico de cinema Felipe Fernandes.

Lúcia Talabi, atriz

— Inegável a importância das indicações recebidas por este filme. Além do reconhecimento da potência da arte brasileira, abrindo possibilidades para o nosso mercado de audiovisual, a seleção oportuniza também o não apagamento da memória dolorosa da ditadura do Brasil, que não pode ser esquecida. Negar a existência desses anos de torturas física e psicológica é aceitar os comportamentos indignos de grupos que querem, ainda hoje, a qualquer custo, manter seus privilégios e a impunidade para seus agentes — destacou a atriz Lúcia Talabi.

A atriz, entretanto, diz ter dúvidas se essas indicações são incentivos para que a Escola de Cinema de Campos saia do papel: “Tivemos oportunidade concreta de ter essa Escola trazida por Darcy Ribeiro através da Uenf. A ideia foi abortada e perdemos toda estrutura, inclusive os equipamentos já comprados. Até o momento, nenhuma gestão local demonstrou sensibilidade e vontade política de valorizar e fortalecer o fazer cultural de grupos, que durante muitos anos vêm trabalhando pela construção da linguagem cinematográfica na cidade”.

Arthur Soffiati, historiador e crítico de cinema

— Filme premiado no Globo de Ouro é indicação quase segura de que ele concorrerá ao Oscar. Por mais que Fernanda Montenegro afirme que a arte brasileira não precisa de reconhecimento acima da linha do Equador, nunca se falou tanto em “Ainda Estou Aqui” depois do prêmio nos Estados Unidos. Ele não mereceu tanto destaque com os prêmios anteriores. “Ainda estou aqui” tem qualidades indiscutíveis, mesmo que não ganhe um Oscar sequer. Mas não vejo reflexos para Campos. A Escola de Cinema da Uenf, por exemplo, não depende de Hollywood, mas de verbas e de empenho dos seus professores — ressaltou o historiador e crítico de cinema Arthur Soffiati.

 

 

 

Página 2 da Folha Dois da edição de hoje da Folha da Manhã

 

Confira o trailer do filme:

 

“Ainda Estou Aqui”: Fernanda Torres é o Brasil no mundo

 

Fernanda Torres foi a primeira atriz brasileira a ganhar o Globo de Ouro (Foto: Robyn Beck/AFP)

 

O Brasil acordou feliz na segunda (6) com a notícia da vitória de Fernanda Torres ao Globo de Ouro de melhor atriz dramática. Em meio a grandes atrizes de Hollywood como as britânicas Kate Winslet e Tilda Swinton, ou a estadunidense Angelina Jolie, todas de língua inglesa, ela levou falando português. Como tinha levado a Palma de Ouro de melhor atriz no Frestival de Cannes, com apenas 20 anos, por sua atuação em “Eu Sei Que Vou Te Amar” (1986), de Arnaldo Jabor.

 

Em 19 de maio de 1986, aos 20 anos, Fernanda Torres levou a Palma de Ouro de Cannes como melhor atriz, por seu desempenho em “Eu Sei Que Vou Te Amar”, de Arnaldo Jabor

 

Em 2024, na pele de Eunice Paiva, contida, sem exageros, como era personagem da vida real, Fernanda encarnou a viúva do engenheiro e ex-deputado federal Rubens Paiva. Que foi levado de casa por agentes armados do Estado para ser covardemente torturado e assassinado em 1971. E ter seu corpo, até hoje, desaparecido pela ditadura militar (1964/1985) que parte relevante dos brasileiros dos anos 2020 diz querer de volta.

 

“Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles (Foto: Divulgação)

 

Se o filme “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles e baseado no livro homônimo do escritor Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice, não levou o prêmio de melhor filme de língua não inglesa na madrugada de segunda, o Globo de Ouro de Fernanda lavou a alma do país. De uma maneira que só a arte e o esporte são capazes de fazer. E, de quebra, no sucesso de público e crítica nacional e internacional do filme, ajuda a passar a História do Brasil a limpo.

 

Filho de Eunice e Rubens Paiva, e autor do livro “Ainda Estou Aqui”, que deu base ao filme homônimo, Marcelo Rubens Paiva com Fernanda Torres, Selton Mello, Walter Salles, a campista Maria Carlota Fernandes Bruno e o também produtor Rodrigo Teixeira, no Festival de Veneza (Foto: Divulgação)

 

A vitória de Fernandinha foi também uma “revanche” do Globo de Ouro que sua mãe, Fernanda Montenegro, concorreu na mesma categoria em 1999, por “Central do Brasil”, outro filme de Walter. Mas acabou perdendo para outra craque, a australiana Cate Blanchet. Ambas perderiam depois o Oscar para a nada mais que correta estadunidense Gwyneth Paltrow, no auge do poder de lobby da então toda poderosa produtora Miramax.

 

Walter Salles, o ator então infantil Vinícius Oliveira e Fernanda Montenegro com o Globo de Ouro que “Central do Brasil” levou como filme de língua não inglesa em 1999

 

Fernanda Torres e a produtora campista Maria Carlota Fernandes Bruno (Foto: Divulgação)

Agora, um quartel de século depois, Fernandona teve o Globo de Ouro dedicado pela filha a ela. Parece até história de Hollywood. Mas é brasileiríssima! Tanto quanto Machado de Assis, Nelson Rodrigues, Tom Jobim, Cartola, Elis Regina ou Clarice Lispector.

No próximo dia 17, saem as indicações ao Oscar. A vitória da atriz brasileira no Globo de Ouro não é garantia de nada. Mas certamente aumenta sua visibilidade. Como a necessidade dos membros da Academia do Oscar de assistir a “Ainda Estou Aqui”, que tem como produtora a campista Maria Carlota Fernandes Bruno, entrevistada pela Folha (confira aqui) em 30 de novembro.

Pelo que o filme e sua protagonista já fizeram até aqui, não há exagero em afirmar: a tricolor Fernanda Torres alcançou, no pódio das artes, altura semelhante à da ginasta do Flamengo Rebeca Andrade na história olímpica do Brasil.

 

Capa da Folha Dois publicada hoje na Folha da Manhã

 

 

Atriz Lúcia Talabi e os críticos de cinema Felipe Fernandes e Arthur Soffiati (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Brasil em Hollywood por atriz e críticos de Campos

Com Éder Souza

 

“Esse prêmio reconhece a nível global a grande atriz Fernanda Torres, como a grandiosidade da arte brasileira. ‘Ainda Estou Aqui’ traz a memória de um tempo que não pode ser esquecido. Negar a existência dos anos de ditadura é perdurar comportamentos indignos de grupos que querem, a qualquer custo, manter seus privilégios e poder de opressão. O Brasil não ter julgado e condenado os responsáveis por anos de torturas físicas e psicológicas realça a certeza de impunidade”, cobrou a atriz campista Lúcia Talabi, a partir da vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro de melhor atriz, pelo desempenho no filme do diretor Walter Salles.

— ‘Ainda estou aqui’ é um filme que apresenta uma família de classe média alta carioca, tentando levar uma vida leve em paralelo com toda a questão da ditadura que assolava o país. O primeiro ato revela a natureza daquela família, principalmente na construção da figura de Rubens Paiva, o patriarca. É a partir de seu desaparecimento que a verdadeira protagonista assume as rédeas da família e da narrativa. Não é um longa sobre quem é levado, mas sobre quem fica — definiu o cineasta publicitário e crítico de cinema Felipe Fernandes.

— A força do filme reside na atuação de Fernanda Torres. Com um trabalho repleto de sutilezas, em que expressão facial e corporal revela mais que os diálogos, ela entrega um trabalho em diferentes camadas. Sua personagem precisa lidar com um turbilhão de sentimentos, escondendo alguns dos filhos. A atriz tem um desempenho inesquecível — disse Felipe sobre a atuação vencedora do Globo de Ouro de melhor atriz. E projetou as chances do filme e sua protagonista ao Oscar:

— O filme chega forte na briga por pelo menos duas indicações ao Oscar: filme internacional e atriz. Na primeira, o filme vem numa crescente, com forte campanha de marketing, essencial nessa corrida. A indicação de Fernanda Torres ganhou força com sua vitória no Globo de Ouro. Ainda que a premiação não seja um forte parâmetro para o Oscar, em uma temporada com grandes atuações femininas, sua vitória põe seu trabalho e todo o filme em evidência, podendo render à atriz uma indicação — apostou o cineasta e crítico.

— As pedras no sapato do filme brasileiro são a representante da França, “Emilia Pérez”, o vencedor do Prêmio do Júri e de melhor atriz em Cannes. E Demi Moore, que chega forte pelo aclamado “A Substância” (venceu o Globo de Ouro de melhor atriz na categoria comédia, distinção que não existe no Oscar). Uma das atrizes queridinhas de Hollywood, que nunca teve muito destaque, chega com uma grande atuação. É o tipo de história que a Academia adora — ressalvou Felipe.

— Fernanda Torres tem excelente atuação. Mas não apenas. Hoje, busco no cinema algo mais que roteiro e atuação. Roteiro tem ligação com literatura e atuação com o teatro. Quero algo relacionado ao que é próprio do cinema: a fotografia em movimento. O trabalho do Walter Salles com a câmara é também bom. Ele mostra uma fotografia oscilante na primeira parte, falando com imagens que o momento é de insegurança e medo. Na segunda parte, já passada a ditadura, a câmara se estabiliza — descreveu o historiador e escritor Arthur Soffiati, que assina como crítico de cinema com o pseudônimo Edgar Vianna de Andrade.

— Até aqui, o filme só venceu em roteiro, na Europa (com Murilo Hauser e Heitor Lorega, no Festival de Veneza), e atuação, nos Estados Unidos (Globo de Ouro). O prêmio europeu nos bastaria para consagrar o filme, mas precisamos do reconhecimento dos Estados Unidos. Não é, para mim, o reconhecimento principal, mas é para o Brasil. Concorrendo com atrizes que ganham bem e contam com respaldo da indústria, Fernanda mostrou que atuação existe também fora dos EUA. Aguardemos agora o Oscar — projetou Arthur/Edgar.

 

Página 2 da Folha Dois de hoje, publicada na Folha da Manhã

 

Confira o trailer do filme:

 

Produção de Campos e olhos ao Oscar em “Ainda Estou Aqui”

 

“Ainda Estou Aqui” (Foto: Divulgação)

 

“Um filme sobre uma família”. É como a produtora campista de cinema Maria Carlota Fernandes Bruno definiu duas vezes, em entrevista, o filme “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles. Sucesso de público e crítica, no Brasil e no mundo, conta a história real da família do ex-deputado federal e engenheiro Rubens Paiva (interpretado por Selton Mello). Que é assumida por sua esposa, Eunice (na pele madura de Fernanda Torres e, já idosa, de Fernanda Montenegro), após o marido ser levado de casa por agentes armados em 1971. Para ser torturado, assassinado e ter seu corpo desaparecido pela nossa última ditadura militar (1964/1985).

Entre crueldade, perda, coragem e reconstrução, a tragédia da família e do país tem levantado prêmios em festivais internacionais. Foi selecionado pelo Brasil à disputa de uma indicação ao mais badalado deles, o Oscar. Talvez não só de filme estrangeiro, mas como a própria crítica dos EUA tem cogitado, também de atriz com Fernanda Torres, entre outras possíveis categorias. Além da performance em público e festivais de “Ainda Estou Aqui”, das chances deste ao Oscar e da própria carreira como produtora de grandes diretores do cinema nacional, Carlota falou da boa acolhida ao filme na sua Campos natal. Onde, a despeito do conservadorismo político da cidade, a evidência dos crimes da extrema-direita segue em cartaz nos cinemas.

 

Campista Maria Carlota Fernandes Bruno, produtora de cinema e CEO da VideoFilmes (Foto: Divulgação)

 

 

Folha da Manhã – Desde sua estreia nacional em 7 de novembro, “Ainda Estou Aqui” liderou as bilheterias do país, à frente de blockbusters de Hollywood. E superou a marca de 1 milhão de espectadores em 11 dias. Vocês esperavam tanto sucesso de público no Brasil? Como o receberam?

Maria Carlota Fernandes Bruno – Recebemos com muita alegria o público brasileiro que lotou as salas de cinema na primeira semana e continua lotando. O filme se manteve em 1º no terceiro final de semana, alcançando mais de 1,7 milhão de espectadores e batendo superproduções norte-americanas. E, esta semana, batemos 2 milhões de espectadores. É a segunda maior bilheteria de um filme brasileiro depois da pandemia.

 

Fernanda Torres e Maria Carlota Fernandes Bruno

Folha – O filme também tem sido muito bem recebido por críticos e festivais internacionais de cinema. Recebeu prêmios importantes nos festivais de Veneza, Vancouver, Mill Valey, Miami e Pingayo. Como foi percebida essa recepção na Itália, Canadá, EUA e China?

Carlota – O filme teve a sua estreia mundial na Competição Oficial do Festival de Veneza e ganhou prêmio de melhor roteiro. Toda premiação é sempre importante. Na sequência, o filme foi exibido e muito bem recebido em Toronto, que é uma vitrine para filmes norte-americanos e também filmes de outras latitudes. Walter, Fernanda e Selton deram muitas entrevistas e elas repercutiram bastante na imprensa norte-americana e também aqui no Brasil. O filme já foi convidado para mais de 50 festivais internacionais e ganhamos prêmios de público nos festivais de Mill Valley, nos EUA; Vancouver, no Canadá; Pessac, na França; e na Mostra de São Paulo. O que só confirma que o público em várias latitudes gosta do filme.

 

Folha – “Ainda Estou Aqui” foi escolhido pela Academia e Cinema do Brasil como representante do país, junto aos de outros 85, a uma indicação ao Oscar de 2025. A lista prévia sai em 17 de dezembro e os indicados serão anunciados em 17 de janeiro. Qual é a real expectativa?

Carlota – Em 23 de setembro, “Ainda Estou Aqui” foi escolhido pela Academia Brasileira de Cinema para ser o candidato brasileiro apto a concorrer a melhor filme internacional no Oscar. Vale dizer que a comissão de 25 membros, presidida pela atriz Barbara Paz, foi uma escolha unânime, o que é raro. Com isso, Sony Classics, a distribuidora americana, inscreveu o filme na plataforma da Academia Americana como fez os outros 85 candidatos de outros países. No dia 17, sai a lista com os 15 filmes escolhidos. E, em janeiro, sai a “shortlist” com os 5 candidatos que concorrerão na categoria de melhor filme internacional. É um trabalho árduo com muitas viagens, muitos debates e muitas projeções, para fazer com que o filme seja visto pelo maior número de pessoas nos Estados Unidos e Europa.

 

Cartaz original de “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte, com cena de Leonardo Villar em destaque

Folha – Desde “O Pagador de Promessas” (1962), de Anselmo Duarte, o Brasil disputa o Oscar, mas nunca levou. Isso aumenta a ansiedade do país e da equipe? E a pessoal do diretor Walter Salles, que já teve “Central do Brasil” (1998) indicado ao Oscar de filme estrangeiro?

Carlota – Acho que existe uma torcida dos brasileiros e brasileiras de que o filme e também a Fernanda Torres sejam indicados. Com a internet, temos visto esse movimento acontecer de forma muito natural e com humor. Acho que existe um clima de “agora vamos trazer o Oscar para o Brasil”. Enquanto produtora do filme e CEO da VideoFilmes, eu gostaria de que o filme fosse indicado, mas o mais gratificante até agora é ver o público voltar às salas de cinema para assistir ao filme. Tomara que se crie o hábito de o brasileiro prestigiar a sua cultura e assistir a outros filmes brasileiros que estão neste momento em cartaz como “Retrato de um Certo Oriente”, de Marcelo Gomes; “Malu”, de Pedro Freire; e a animação “Arca de Noé” (de Sérgio Machado e Alois Di Leo), baseado no disco de Vinicius de Moraes; entre outros.

 

Vinícius de Oliveira e Fernanda Montenegro em “Central do Brasil”

Folha – “Central” também rendeu indicação ao Oscar de melhor atriz a Fernanda Montenegro. Em sua crítica à revista Deadline, Stephanie Bunbury escreveu sobre a atuação de Fernanda Torres em “Ainda Estou Aqui”: “deve catapultá-la (…) 25 anos depois de sua mãe, Fernanda Montenegro ter sido indicada ao Oscar”. Há esse critério de “justiça” visto por Hollywood?

Carlota – Não sei dizer se existe esse critério “de justiça” em Hollywood, mas acho que os brasileiros estão com esse sentimento. Aconteceu algo curioso e divertido: há alguns dias o site oficial da Academia postou uma foto da Fernanda Torres assim como de outras atrizes que participaram de um evento que se chama Governors Ball, em Los Angeles, e a foto da Fernanda teve mais de 800 mil comentários. Somos um país continental.

 

Fernando Alves Pinto e Fernanda Torres em “Terra Estrangeira”

Folha – A parceria de Walter com Fernanda Torres começou em “Terra Estrangeira” (1995), no que ficou conhecido como “retomada” do cinema brasileiro após o desmonte da Embrafilme no governo Collor. Em que essa química entre diretor e atriz ajudou “Ainda Estou Aqui”?

Carlota – Walter sempre diz que “Ainda Estou Aqui” é um filme sobre uma família, feito por uma família. Voltar a ter essa parceria artística com as duas em um mesmo filme é muito especial na carreira dele. E é sobre isso que as longas parcerias dizem respeito, criar uma família fílmica.

 

Folha – Além das categorias filme, filme estrangeiro, atriz e diretor, outras indicações ao Oscar são consideradas possíveis a “Ainda Estou Aqui”: roteiro adaptado (Heitor Lorega e Murilo Hauser), ator coadjuvante (Selton Mello) e edição (Affonso Gonçalves). O que vocês projetam?

Carlota – As ações feitas pela Sony Classics são as mesmas, o filme tem que ser visto para ser promovido. Através das sessões e do boca a boca, o filme vai ganhando espaço em outras categorias. O que ajuda nas demais categorias são críticas e prêmios técnicos, isso alavanca as possibilidades do filme.

 

Filho de Eunice e Rubens Paiva, e autor do livro “Ainda Estou Aqui”, que deu base ao filme homônimo, Marcelo Rubens Paiva com Fernanda Torres, Selton Mello, Walter Salles, a campista Maria Carlota Fernandes Bruno e o também produtor Rodrigo Teixeira, no Festival de Veneza (Foto: Divulgação)

 

“Na Estrada”, adaptação dirigida por Walter Salles do romance “On the Road”, de Jack Kerouac

Folha – Numa adaptação de época impecável, como foi a produção entre você, Walter, Rodrigo Teixeira e Martine de Clermont-Tonnerre? Como foi sua trajetória pessoal e profissional de Campos à produtora de um dos maiores cineastas do Brasil? Como funciona essa parceria?

Carlota – Walter não atua como produtor, ainda que a VideoFilmes seja uma das produtoras do filme. A relação com Martine vem de longa data, ela foi a coprodutora francesa de “Central do Brasil”. Rodrigo é um produtor que tem uma expertise internacional, pois produz filmes aqui no Brasil, nos EUA e na Europa, e veio para somar. Com relação à minha trajetória, estou há 35 anos na VideoFilmes. Ao longo desses anos, fui crescendo profissionalmente com a confiança que tanto Walter como seu irmão João (Moreira Salles, cineasta documentarista, produtor e fundador da revista “Piauí”) depositaram em mim. Comecei como assistente pessoal do Walter e durante anos pude acompanhá-lo nas produções no Brasil, como também no exterior, com “Diários de Motocicleta” (2004), “Água Negra” (2005) e “Na Estrada” (2012). Essas experiências me deram estofo e, em 2011, assumi a VideoFilmes como diretora executiva e desde então venho produzindo documentários como “No Intenso Agora” (2017), do João; “Últimas Conversas” (2015),  do mestre Eduardo Coutinho; “Jia Zhangke, Um Homem de Fenyang” (2014), do Walter; e “Marinheiro das Montanhas” (2021), de Karim Aïnouz.. Nesse momento estou produzindo o novo documentário de Marcelo Gomes sobre Sidarta Ribeiro (neurocientista brasileiro) e outro sobre ativista indígena Txai Suruí e seu pai, o cacique Almir, codirigido por João e o coletivo de indígenas. Também sou produtora da animação “Arca de Noé”, dirigido por Sérgio Machado e Alois di Leo. Ao longo dos anos, a VideoFilmes também fez algumas coproduções nacionais e com a Argentina. Este ano, além de “Ainda Estou Aqui em Veneza”, sou produtora associada de “Manas”, primeiro longa-metragem de Marianna Brennand. Como “Ainda Estou Aqui”, “Manas” também foi premiado em festival. No momento também estou coproduzindo, junto com Joana Mariani e Eliane Ferreira, o longa-metragem “Cyclone”, longa de ficção ambientada na São Paulo de 1929.  Enfim, posso dizer que é parceria longeva, gratificante que envolve confiança, admiração e respeito de ambos os lados.

 

Selton Mello e Maria Carlota no Festival BFI de Londres (Foto: Divulgação)

Folha – Em Campos, Bolsonaro teve mais de 63% dos votos válidos no 2º turno a presidente em 2018, quando venceu, e em 2022, quando perdeu. E, a despeito do conservadorismo político da cidade, o filme também foi sucesso de público e segue em cartaz. Como campista, qual sua visão?

Carlota – Fiquei muito feliz quando soube que tivemos 40% a mais de campistas que foram assistir ao filme. O filme é acima de tudo sobre uma família, ou melhor sobre uma mulher forte e altiva, Eunice Paiva, que teve que se reinventar quando o marido é levado de casa sem nenhuma explicação e nunca mais retornou. É sobre a luta dela para conseguir ter um atestado de óbito, 25 anos depois do desaparecimento do Rubens Paiva. E também por ter se tornado uma advogada defensora da causa indígena e, acima de tudo, por manter a família unida que ficou órfã desse pai. Essa história poderia ter acontecido com qualquer família. Para mim, cinema, a arte em geral, está acima de qualquer viés ideológico. Como campista, só tenho a agradecer a cada campista que já assistiu e ainda vai assistir ao filme na tela de cinema.

 

Capa da Folha Dois de hoje, na Folha da Manhã

 

 

Confira o trailer do filme:

 

 

Mike Tyson como ídolo de uma geração e do meu filho

 

Mike Tyson, aos 58 anos, contra Jake Paul, de 27

 

“Todo mundo tem um plano, até levar um soco na cara”. Se fosse dito pelo filósofo ateniense Sócrates, soldado condecorado por bravura na Guerra do Peloponeso (431/404 a.C.) contra Esparta, seria mandamento ao pensamento ocidental. Mas é do nova-iorquino Michael Gerald Tyson, o Iron Mike, ex-campeão mundial profissional peso pesado do boxe inventado pelos antigos gregos. Na tal pós-modernidade, é um fenômeno do esporte e ícone da cultura pop.

Quem viveu com algum grau de consciência os anos 1980 e 1990, teve Mike Tyson entre suas maiores referências. Até hoje, é o campeão profissional peso pesado mais novo da história do boxe. Filho abandonado pelo pai, vinha de infância e adolescência pobres e de crimes em Bedford-Stuyvesant, bairro central do Brooklyn, numa Nova York violenta. Maior cidade do mundo que então vivia a adrenalina cotidiana de cidadezinha de western.

Da briga de rua, Tyson descobriu o boxe num reformatório, após 38 detenções. Onde foi descoberto, aos 13 anos, pelo lendário treinador Cus D’Amato. Que, até então, tinha revelado o campeão peso pesado de boxe mais jovem da história: Floyd Patterson, em 1956, aos 21 anos e 10 meses. D’Amato morreu um ano antes de Tyson abreviar isso. E ser o campeão mais jovem da categoria máxima do boxe, em 1986, com 20 anos e 4 meses de idade.

 

 

Do auge de Tyson, com uma fúria nunca antes vista no boxe, como da sua queda igualmente precoce, muito já foi escrito. Sua condenação por estupro não deve ser relativizada. Como o fato de que, entre prisões e solturas, ele fugiu do confronto contra os grandes do seu tempo: do então já veterano George Foreman, dono do direto de direita mais devastador da história, aos também pegadores Riddick Bowie, Ray Mercer e Tommy Morrison.

Quando se pôs à prova contra iguais, Tyson perdeu as três. Duas contra Evander Holyfield, em 1996 e 1997. Nesta, chocou o mundo, ao morder duas vezes e arrancar um pedaço da orelha do oponente. Como na maior surra que tomou, aplicada pelo britânico Lennox Lewis em 2002. Que cozinhou Tyson como galo: na pressão, a fogo brando. Com técnica, envergadura e paciência, amaciou a carne dura, até o nocaute inapelável no 8º round.

 

 

Tudo isso é preâmbulo, longo e talvez curto ao necessário. À luta de oito assaltos entre Tyson, aos 58 anos, contra o youtuber e emergente pugilista profissional Jake Paul, de 27,  31 mais novo. Foi na madrugada brasileira do último sábado (16), transmitida ao vivo pela Netflix. Em rounds mais curtos de 2 minutos — no boxe profissional e amador, cada um dura 3 —, Tyson dominou os dois primeiros. E foi dominado pelo inexorável do tempo nos seis seguintes.

 

 

São 58 anos. Que, sobretudo em esporte, cobram preço alto a qualquer um. Em explosão, velocidade, reflexos, coordenação motora e condição cardiorrespiratória. Somado à longa ausência dos ringues, que cassa o ritmo e a noção de distância. Ainda assim, Tyson teve seus momentos. De agressividade nos primeiros rounds. Mas, sobretudo, na ainda impressionante capacidade de defesa, em fintas rápidas e laterais de cabeça e tronco.

 

 

Jake Paul, provavelmente, nunca será campeão mundial. Talvez, nem chegue aos top 10 entre os profissionais. Mas, goste-se ou não dele entre os lovers e haters das redes sociais das quais é egresso, tem provado ser um pugilista esforçado de nível razoável. No boxe, já tinha imposto knock down, antes de vencer por pontos o grande ex-campeão de MMA Anderson Silva. Por ter começado já adulto no esporte, o garoto branco e bobo de Ohio merece respeito.

A quem viveu o final do séc. 20 e início do 21, o mais contundente da luta de sábado veio antes do gongo inicial. Quando um Lennox Lewis sempre articulado, como era desde os ringues, e um Evander Holyfield meio sonado deles, foram ao vestiário de Tyson, desejar-lhe sorte. Não ao indivíduo, mas à grande geração de todos. “Let’s go, champ”, convocou Lewis, o melhor deles, com a antiga e exuberante juba de leão rastafári cassada pela calva da velhice.

 

 

Nesses aparentes conflitos geracionais, vale a contextualização embasada do grande crítico literário George Steiner. Morto em 2020, aos 90 anos, ele disse muito lúcido em 2016, numa entrevista ao jornal espanhol El País:

— Vou lhe dizer uma coisa: Shakespeare teria adorado a televisão. Ele escreveria para a televisão. O que realmente me entristece é que as pequenas livrarias, os teatros de bairro e as lojas de discos estejam fechando. Por outro lado, os museus estão cada vez mais cheios, as multidões lotam as grandes exposições, as salas de concerto estão cheias… Portanto, cuidado, porque esses processos são muito complexos e diversificados para se querer fazer julgamentos generalizantes. O senhor Muhammad Ali era também um fenômeno estético. Como um deus grego. Homero teria entendido perfeitamente Muhammad Ali.

Após a luta que o jovem Jake Paul venceu (só) por pontos a um Tyson quase sexagenário, este testemunhou:

— Essa é uma daquelas situações em que você perdeu, mas, ainda assim ganhou. Não me arrependo de entrar no ringue uma última vez. Quase morri em junho (quando teve uma hemorragia por úlcera). Fiz oito transfusões de sangue. Perdi metade do meu sangue e 11 kg no hospital. E tive que lutar para ficar saudável para lutar. Então, venci. Ter meus filhos me vendo ficar de igual para igual e terminar 8 rounds com um lutador talentoso e com metade da minha idade, na frente de um estádio lotado do Dallas Cowboys, é uma experiência que nenhum homem tem direito de pedir. Obrigado!

Sem nenhuma figura de linguagem, Homero também teria entendido perfeitamente Mike Tyson. Herói trágico que meu filho único, de nome grego, tinha por ídolo.

 

 

“Ainda Estou Aqui” — “A sociedade foi Rubens Paiva”

 

 

Assisti “Ainda Estou Aqui” em Campos no último domingo (10), no Cineflix do Shopping 28. Foi na última sessão de um dia particularmente feliz aos rubro-negros, com o 5º título da Copa do Brasil conquistado pelo Flamengo. Contra um Atlético Mineiro que tem por grande rival, desde o Brasileiro de 1980, o clube da Gávea. Mesmo que este, por ganhar quase sempre os jogos decisivos contra o time das Minas Gerais nos últimos 44 anos, ignore essa rivalidade.

Do futebol ao cinema e à política, da vida à arte que a imita, o perdedor pode ser mesquinho. O vencedor, para ser completo, tem que ser generoso. Vencedores ressentidos tendem a ser breves.

É da mesquinhez homicida de vencedores breves que trata o novo filme de Walter Salles. Considerado por muita gente o melhor diretor do Brasil no que ficou conhecido como “retomada” do cinema nacional, a partir de “Carlota Joaquina, Princesa do Brazil” (1995), de Carla Camurati.

Também de 1995 é o primeiro grande filme de Walter, co-dirigido por Daniela Thomas: “Terra Estrangeira”, produção luso-brasileira e primeira parceria do diretor com a atriz Fernanda Torres. Com a mãe homônima desta, Fernanda Montenegro, Salles faria aquele tido como seu melhor filme: “Central do Brasil” (1998). Pelo qual a grande diva brasileira concorreu ao Oscar de melhor atriz, falando em português. Ela também está em “Ainda Estou Aqui”.

O filme começa numa cidade do Rio de Janeiro ainda idílica, boiando como Fernanda Torres na pele de Eunice Paiva no mar da praia do Leblon, no início dos anos 1970. Momento para si mesma, na emersão da dona de casa, mãe de cinco filhos e esposa do ex-deputado federal (cassado pelos militares em 1964) e engenheiro Rubens Paiva. Interpretado por Selton Mello, ele é o protagonista do primeiro terço do filme.

Naquele começo dos anos 1970, no entanto, o Rio como síntese do Brasil não era mais o da felicidade cantado na Bossa Nova, entre o final dos anos 1950 e início dos 1960. Que ainda parece ecoar na casa dos Paiva. Onde se canta e dança, sempre aberta aos amigos e à troca de influências entre pais e filhos.

Como corpo boiando na superfície aparentemente calma do mar, tudo acaba arrastado pela corrente da mesquinhez dos vencedores do golpe civil-militar de 1964. Que, num tsunami, invade a casa com agentes da repressão da ditadura. Para levar primeiro Rubens Paiva, depois Eunice e a filha de 15 anos do casal, a Eliana interpretada por Luiza Kosovski.

Após acalmar a família e seus captores, vestir terno e gravata e sair guiando o próprio carro sob escolta armada, não sabemos mais de Rubens Paiva. A partir dali, também presa e interrogada por 12 dias nos porões de um quartel militar, onde o som dos torturados ao fundo lembra muito o que vem do outro lado do muro de Auschwitz em “Zona de Interesse” (2023, de Jonathan Glazer), quem assume o protagonismo do filme brasileiro é Eunice.

A envergadura moral que a personagem revela é equilibrada pela composição de contenção de Fernanda Torres. Que assim tem que ser para assumir o leme da família, da criação dos cinco filhos, da reconstrução da sua própria vida e da cobrança corajosa pelo destino do marido, mesmo após sabê-lo morto. Ainda acossada pela mesquinhez covarde dos seus algozes, Eunice não boia mais à deriva. Ela navega!

Baseado no livro homônimo de 2015 de Marcelo Rubens Paiva, único homem entre os cinco filhos e interpretado criança por Guilherme Silveira, a história real da sua família não é sua primeira adaptação ao cinema. Seu primeiro livro, “Feliz Ano Velho”, também autobiográfico e sucesso editorial desde o lançamento em 1982, gerou filme homônimo em 1987, dirigido por Roberto Gervitz. No qual o narrador e personagem central é vivido por Marcos Breda.

Pelos olhos do filho, a saga dos Paiva em “Ainda Estou Aqui” é refletida na retina da mãe, de Fernanda Torres a Montenegro, Eunice da velhice. Além de ter sido indicado a uma vaga na disputa ao Oscar de melhor filme estrangeiro, tem expectativa de concorrer em outras categorias, inclusive, a de melhor atriz com a filha xará da Fernandona. Em 17 de janeiro de 2025, quando forem reveladas as indicações ao maior prêmio de Hollywood, saberemos.

Com a vitória esmagadora da direita nas eleições municipais do Brasil em outubro (confira aqui) e da extrema-direita nas eleições presidenciais dos EUA em novembro (confira aqui e aqui), a despeito da classe artística dos dois países militar majoritariamente no campo político progressista, o filme parece ter vindo errado no tempo. Ou, talvez, o tempo seja errado ao filme.

Certeza, só duas. A primeira, é do jornal satírico Sensacionalista: “‘Ainda Estou Aqui’ faz R$ 8 mi e prova que boicote da direita é a melhor política de incentivo à cultura”. A segunda é um pouco mais antiga. Foi ecoada na parte final do discurso de Ulysses Guimarães, ao promulgar a Constituição de 1988: “A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram”.

 

Confira o trailer do filme:

 

O que há de complexo e simples na vitória de Trump

 

Num lance que pode ter aumentado o tamanho da sua vitória eleitoral na reta final de campanha, sobretudo entre os eleitores pobres dos EUA, Trump aparece guiando um caminhão de lixo com seu slogan na lateral — “Make America Great Again!” — em comício na cidade de Green Day, no estado-pêndulo de Wisconsin, em 30 de outubro, após uma gafe em que o presidente Joe Biden se referiu aos eleitores do adversário como “lixo” (Foto: Reprodução de vídeo)

 

Não sou simpatizante de Donald Trump, da extrema-direita ou de nenhum político populista de qualquer matiz ideológico. Mas, como analista impessoal, sou obrigado a reconhecer que a vitória de Trump e do Partido Republicano sob sua liderança foi inquestionável. Não surpreendeu por ter ocorrido, possibilidade apontada por todas as pesquisas. Mas por sua dimensão acachapante, muito além de qualquer margem de erro matemática.

Eleição suburbana — No que a matemática explica, não houve surpresa demográfica. Os democratas continuaram a ser um partido urbano. Representando 29% dos eleitores efetivos de um país onde o voto não é obrigatório, 59% deles votaram em Kamala Harris e 38% em Trump. Como os republicanos continuaram a ser um partido rural. Representando 19% dos eleitores efetivos, 64% deles votaram em Trump e 34% em Kamala. Foi nos subúrbios que a eleição foi definida. Representando a maioria de 51% dos eleitores efetivos, 51% deles votaram em Trump e 47% em Kamala.

Voto do homem negro — Os motivos são vários e complexos. Vão do “é a economia, estúpido!”, na sentença de Jim Carville que favoreceu aos democratas nos anos 1990 com Bill Clinton, à ressaca daquele tempo de globalização com a desindustrialização e perda de postos de trabalho nos EUA. Que fez os estados-pêndulo da Pensilvânia, Michigan e Wisconsin votarem Trump em 2024, por não verem a reversão do quadro após terem votado Biden em 2020. O aumento do voto do homem negro dos EUA nos republicanos, por conta da inflação, é um retrato disso.

Voto dos homens e mulheres brancos — Há ainda a questão imigração ilegal, comum à Europa, que jogou também os estados-pêndulo do Arizona e Nevada, na fronteira noroeste do México e da América Latina, no colo de Trump. O voto da maioria dos homens e também das mulheres brancas dos EUA nos republicanos é um retrato disso.

Voto religioso e latino — Inegável ainda o soçobrar da esquerda identitária. Sobre a qual o cientista político estadunidense Mark Lilla já havia alertado em artigo no New York Times, “The End of Identity Liberalism”, desde a primeira vitória presidencial de Trump, em 2016. Para, em 2024, ainda esbarrarmos na constatação óbvia do cientista político brasileiro Luis Felipe Miguel sobre a nova vitória de Trump, muito maior que a anterior: “O apelo identitário se mostra cada vez mais contraproducente, afasta mais eleitores do que congrega”. O voto religioso e dos latinos contra a retomada do direito ao aborto proposto por Kamala é um retrato disso.

Identitarismo x revolução — Nos EUA, no Brasil e no mundo, o narcisismo identitário oxida — “apodrecendo o cante/de dentro, pela espinha” como versejou João Cabral — o campo político progressista. Trocar a utopia da revolução pelos dogmas de fé do identitarismo, paradoxalmente, tirou a própria identidade da esquerda. Que cedeu à direita a perspectiva da ruptura violenta com o status quo. Como se tentou no Capitólio com os trumpistas de 2021, ou na Praça dos Três Poderes com os bolsonaristas de 2023. No início de 2024, o filósofo marxista Wladimir Safatle reconheceu: “A extrema-direita é hoje a única força política real do país, porque é a força que tem capacidade de ruptura, tem estrutura e coesão ideológica”.

O mundo numa sala de estar — Nesse sentido, foi emblemática a derrota até certo ponto humilhante de Kamala. Ao encarnar e colidir de face com a definição da ensaísta e crítica social estadunidense Camille Paglia: “Mulheres burguesas de classe média que pensam poder transformar o mundo na sua sala de estar”. À virilidade do campo progressista, a passagem do tempo pode ser melhor observada no que há de comum, com todas suas particularidades e diferenças, na velhice de Lula e Biden.

A bolha de Kamala — Outra observação aparentemente contraditória entre direita e esquerda, mas precisa, foi da jornalista Sandra Coutinho, da Globo News: “O bilionário (Trump) está falando para os mais pobres. E a mulher que se vendeu o tempo todo como alguém que veio da classe média, que viveu o ‘sonho americano’, que é filha de imigrantes e conseguiu chegar a uma universidade de prestígio, se formar em Direito e chegar onde ela chegou, ela fala para a elite (…) Kamala Harris só teve bom desempenho (eleitoral) nas elites. Ela falou para uma bolha muito restrita, uma bolha liberal, uma bolha de poder aquisitivo muito alto”.

A bolha de Boulos e Jefferson — Quem acompanhou, nas pesquisas e urnas, o desempenho da esquerda com Guilherme Boulos (Psol) e Professor Jefferson (PT), candidatos a prefeito, respectivamente, de São Paulo e Campos, pôde constatar o mesmo elitismo na fatia majoritária dos seus eleitores. E a contrapartida nos vencedores, identificados como de direita e maciçamente votados pelos mais pobres: Ricardo Nunes (MDB) e Wladimir Garotinho (PP).

Valor retórico — Se Trump mente demais, não há verdade em ignorar que outras coisas podem importar mais à decisão da urna. A eleição que ele perdeu em 2020 não foi fraude e a derrota de Kamala em 2024 não foi misoginia. Foi a vontade soberana do voto. Chamar quem vota na direita de “fascista” e quem vota na esquerda de “comunista” tem o valor retórico da criança de creche que chama de “bobo” e “feio” o colega de quem discorda. Com o detalhe: na discussão política nivelada a isso, o placar favorável à direita sugere os 7 a 1 da Alemanha.

Orbanização dos EUA? — O que esperar do novo governo Trump? Se cumprir o que ameaçou em campanha e subordinar politicamente o Judiciário e o Pentágono, seria a orbanização — em relação ao que Viktor Órban fez na Hungria — da democracia mais longeva e poderosa da Terra. Trump agiria legitimado desta vez não só pela vitória no colégio eleitoral dos EUA, mas também pelo voto popular. Com maioria no Senado, Câmara e Suprema Corte, teria como freio e contrapeso os militares, dos quais voltará a ser comandante em chefe, e a Constituição.

Anistia a Bolsonaro? — Que influência isso terá ao Brasil? Para o jornalista Jamil Chade, do UOL: “No Palácio do Planalto, a ordem é manter relação de ‘pragmatismo’ (…) Mas uma ofensiva protecionista de Trump que afete produtos nacionais, sua guerra comercial com a China, a elevação da taxa de juros ou envolvimento no debate de anistia a Jair Bolsonaro podem forçar o Brasil à mudança de rumo (…) Com Elon Musk como cabo eleitoral, Trump poderia incrementar essa pressão. Ainda no mês de novembro, uma missão de deputados bolsonaristas deve também viajar para Washington, na esperança de elevar a pressão”.

O que é simples — Ademais, talvez não seja coincidência que, em 2025, teremos a volta de Trump à Casa Branca e só 12% dos brasileiros governados por um(a) prefeito(a) de esquerda. O que, por fim, leva a uma explicação relativamente simples. Contra Trump, Kamala foi a vice do governo popularmente mal avaliado de Biden. Em tese e antítese, isso explica todas as eleições que cobri jornalisticamente este ano. Das municipais do Brasil, em que pude antecipar 11 prefeitos; às federais dos EUA, cujo tamanho do resultado ninguém pôde prever.

Em nenhuma eleição de 2024, o ano que não acabará à esquerda do mundo, houve vitória maior que a de Trump.

 

Trump faz barba, cabelo e bigode: presidente, senador e deputado

 

Após ser derrotado na tentativa de reeleição em 2020, Donald Trump volta à Casa Branca, com vitória do Partido Republicano também no Senado e Câmara

 

Foi um vareio de Donald Trump. Como previsto, os estados-pêndulo (swing states) entre republicanos e democratas nas eleições a presidente do EUA, decidiram ontem (5) o novo ocupante da Casa Branca. Mas não foi apertado, como projetavam as pesquisas. Com a apuração ainda em andamento, ele chegou ao número de 291 delegados no Colégio Eleitoral dos EUA, no qual vence quem faz o mínimo de 270.

Trump venceu a democrata Kamala Harris nos sete estados-pêndulo: Pensilvânia, Geórgia, Carolina do Norte, Michigan, Wisconsin, Arizona e Nevada. O estado de Iowa, onde pesquisas chegaram a projetar uma virada democrata, permaneceu republicano.

A vitória do partido conservador dos EUA foi completa. Elegeu também 52 senadores, contra 43 democratas, na renovação de 1/3 da Câmara Alta. Na renovação integral da Baixa, outra vitória no voto: 207 deputados republicanos, contra 188 democratas.

 

Folha antecipa 11 prefeitos eleitos — Que Brasil sai das urnas?

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

 

Folha antecipou 11 prefeitos eleitos

Antes do 2º turno do domingo (27), com base na análise das pesquisas, foi possível projetar (confira aqui e aqui) a reeleição de Ricardo Nunes (MDB) a prefeito de São Paulo. Como, antes do 1º turno de 6 de outubro, já se tinha projetado (confira aqui e aqui) a vitória eleitoral a prefeito de Wladimir Garotinho (PP) em Campos, Carla Caputi (União) em São João da Barra, Welberth Rezende (Cidadania) em Macaé, Geane Vincler (União) em Cardoso Moreira, Léo Pelanca (PL) em Italva, Valmir Lessa (Cidadania) em Conceição de Macabu, Marcelo Magno (PL) em Arraial, Fábio do Pastel (PL) em São Pedro da Aldeia, Carlos Augusto (PL) em Rio das Ostras e Dr. Serginho (PL) em Cabo Frio.

 

“Eleição é na urna”?

Em Campos, foi possível antecipar também os percentuais de votos válidos dos três primeiros colocados na disputa. No total, foram 11 prefeitos com eleições antecipadas em 10 municípios do Norte e Noroeste Fluminense e Região dos Lagos, além da maior cidade do Brasil e da América do Sul. Entre as urnas do turno e returno, sem nenhum erro, a taxa de acerto desta coluna, do blog Opiniões e da Folha daria para formar um time de futebol. Como se antecipou também a reação dos perdedores nesses 11 municípios: quem questiona pesquisas e brada “eleição é na urna”, quase sempre, vai chorar no quente da cama com o resultado do voto.

 

Reeleição de 82%

Algumas características dessa antecipação de 11 prefeitos foram reflexo do resultado nos 5.570 municípios brasileiros. Em primeiro lugar, 9 dos 11 prefeitos foram reeleitos — com exceção apenas de Carlos Augusto em Rio das Ostras e de Dr. Serginho em Cabo Frio. Em todo o país, a taxa de reeleição foi de 82%, maior nos últimos 20 anos. Foi, inequivocamente, uma eleição da continuidade, tanto quanto a municipal de 2016 e a presidencial de 2018 tinham sido eleições do “novo”. Também reflexo do que se deu no resto do país em 2024, outra característica comum nos 11 prefeitos antecipados pela Folha: nenhum é de esquerda.

 

Esquerda é a grande derrotada

A esquerda foi, sem dúvida, a grande derrotada das eleições municipais de 2024. O PT do presidente Lula pode argumentar que passou dos 184 prefeitos eleitos em 2020 aos 252 que elegeu neste mês de outubro. Para ficar só na 9ª posição entre as legendas com mais prefeituras. E com apenas uma capital de estado, Fortaleza (CE), para chamar de sua. Ademais, com Lula então recém-saído da cadeia e ainda sem direitos políticos, 2020 foi o fundo do poço do partido. Com Lula de novo no poder, o PT fez em 2024 os mesmos 252 prefeitos que, pouco mais de um mês após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, elegeu em 2016.

 

Prefeitos de esquerda: 12%

Da esquerda à centro-esquerda, o melhor desempenho foi do PSB. Em 7º lugar no ranking geral, passou de 257 a 312 prefeitos, entre eles, o de Recife (PE), com a reeleição em turno único de João Campos. Com 30 anos, surge como nome ao futuro que o PT não tem. As demais legendas de esquerda despencaram de 2020 a 2024: em 10º, o PDT foi de 320 a 151 prefeitos; em 17º, o PCdoB foi de 48 a 19 prefeitos; em 19º, o PV foi de 45 a 14 prefeitos; em 20º, o Rede foi de 6 a 4 prefeitos; e, em 25º e último lugar, o Psol foi de 5 prefeitos a nenhum. A partir de 2025, só 12% dos brasileiros serão governados por um prefeito de esquerda.

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Centrão é o grande vencedor

Se não há dúvida sobre a derrota da esquerda nas eleições de 2024, tampouco há sobre o grande vencedor: a centro-direita; popularmente conhecido por Centrão. Comandado pelo secretário estadual de São Paulo Gilberto Kassab, o PSD ficou em 1º lugar: de 662 a 891 prefeitos. Presidido pelo deputado federal Baleia Rossi (SP), o MDB ficou em 2º: de 802 a 864 prefeitos, Nunes entre eles. Em 3º, ficou o PP do presidente da Câmara Federal, deputado Artur Lira (AL): de 698 a 752 prefeitos, Wladimir entre eles. Presidido no RJ pelo presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar, o União ficou em 4º: de 568 a 591 prefeitos, Caputi e Geane entre eles.

 

Centro derrota extrema-direita (I)

O PL do ex-presidente Jair Bolsonaro ficou em 5º lugar, de 351 a 517 prefeitos — Pelanca, Magno, Pastel, Carlos Augusto e Serginho entre eles. Embora tenha levado mais que o dobro das prefeituras do PT, a extrema-direita foi traçada a garfo e faca pela centro-direita. Que, com o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), derrotou Bolsonaro presente em Goiânia. Seu candidato a prefeito no 2º turno da capital, Fred Rodrigues (PL) ficou mais de 11 pontos atrás de Sandro Mabel (União), eleito por Caiado. Que, no dia seguinte à urna, sentenciou: “‘Tem que ser assim, falar desse jeito, se não você é comunista’. Essas coisas cansaram”.

 

Centro derrota extrema-direita (II)

Outra vitória emblemática do centro sobre a extrema-direita foi a reeleição do prefeito Fuad Noman (PSD), no 2º turno de Belo Horizonte, sobre Bruno Engler (PL). Que teve o apoio de Romeu Zema (Novo), governador de Minas que apostou no bolsonarismo e perdeu. Por outro lado, ninguém saiu mais forte das urnas do que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (REP). Ele apoiou Nunes na reeleição a prefeito da capital, enquanto Bolsonaro se acovardou com Pablo Marçal (PRTB). Deixou este para trás no 1º turno e levou seus votos para amassar Guilherme Boulos (Psol) no 2º turno, por mais de 18 pontos de vantagem.

 

O PT morreu? Dignidade?

Bolsonaro perdeu em 7 das 9 capitais, em que apoiou candidatos a prefeito no 2º turno, porque transferiu a eles suas características: piso alto no 1º turno e rejeição ainda maior no 2º. Apoiado pelo PT, Boulos tem as mesmas características eleitorais. Não bastasse, aceitou fazer uma live com Marçal dois dias antes da urna. Para, nas palavras do ex-deputado federal Milton Temer (Psol), “posar de figurante em lançamento de campanha a presidente (de Marçal) em 2026”. Após tomar um passeio do centro, Bolsonaro decretou: “O PT morreu”. Após ser mais uma vez atropelado na urna, Boulos bravateou: “Recuperamos a dignidade da esquerda”.

 

Centro de 2024 a 2026

Diferente de 2022, Bolsonaro não elegeu nenhum ex-ministro em 2024. Seu ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem (PL) não passou do 1º turno que reelegeu Eduardo Paes (PSD) prefeito do Rio. Que é reduto eleitoral do capitão, em outra derrota da extrema-direita ao centro. Com o qual deixou de vencer em São Paulo, para ver Nunes reeleito chamar Tarcísio de “líder maior”. Após um 2º turno em que Boulos perdeu até no bairro paulistano do Campo Limpo, onde mora. Depois de definir a eleição presidencial de 2018, ao pender a Bolsonaro, e a de 2022, ao pender a Lula, o centro pode sair de 2024 com ambições próprias em 2026. A ver.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

Após taxa de acerto nunca antes vista, pausa para projeto pessoal

 

 

Como estava previamente planejado, farei um hiato do jornalismo nos próximos meses. Em jornal, rádio, TV, site e neste blog. Que só será quebrado em questões pontuais, como o 2º turno das eleições municipais brasileiras de 27 de outubro, onde eles ainda existirão, e a eleição a presidente dos EUA em 5 de novembro.

A cobertura eleitoral de 2024 começou ainda em 2023, na primeira pesquisa de março daquele ano (confira aqui) que apontava a reeleição de Wladimir Garotinho (PP) a prefeito de Campos em turno único. Que seria confirmada por todas as outras 12 pesquisas, na medição dos 18 meses seguintes, e pela urna.

Ainda em 2023, desde 3 de junho daquele ano foi adiantado (confira aqui) que o professor Jefferson de Azevedo seria o candidato do PT a prefeito de Campos. Assim como a impossibilidade da deputada estadual Carla Machado (PT) em ser candidata a prefeita na Campos de 2024, após já ter sido reeleita prefeita de São João da Barra em 2020.

Um ano depois, Carla tiraria o time de campo (confira aqui) em 26 de junho de 2024, poucos dias depois de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) barrar (confira aqui) em 18 de junho, por unanimidade, sua candidatura natimorta a prefeita de Campos. E, em 20 de julho, 13 meses após o anúncio da Folha, Jefferson foi homologado em convenção (confira aqui) candidato a prefeito de Campos pelo PT.

A partir de mais de 30 pesquisas, de 13 municípios do Norte e Noroeste Fluminense e Região dos Lagos, foi possível projetar (confira aqui e aqui), antes da urna de 6 de outubro, não só a reeleição de Wladimir no 1º turno de Campos, com o percentual de voto válido dos três primeiros colocados na corrida, mas de outros 9 prefeitos. Como a conquista da prefeitura pela oposição em outros 2 municípios.

Exatamente como antecipado, além de Wladimir no 1º turno de Campos, foram reeleitos os prefeitos Carla Caputi (União) em SJB, Welberth Rezende (Cidadania) em Macaé, Geane Vincler (União) em Cardoso Moreira, Léo Pelanca (PL) em Italva, Valmir Lessa (Cidadania) em Conceição de Macabu, Marcelo Magno (PL) em Arraial do Cabo e Fábio do Pastel (PL) em São Pedro da Aldeia.

Assim, como também antecipado antes da urna, a oposição elegeu Carlos Augusto Balthazar (PL) prefeito em Rio das Ostras e Dr. Serginho (PL) em Cabo Frio. Como as eleições duras projetadas a partir da incerteza das pesquisas (confira aqui e aqui) se confirmaram em São Francisco de Itabapoana e Quissamã, com as respectivas vitórias de Yara Cinthia (SD) e Marcelo Batista (União).

Antes da despedida e sempre com base na análise impessoal das pesquisas, há ainda a projeção (confira aqui) da reeleição do prefeito Ricardo Nunes (MDB) em São Paulo. Como a de uma eleição sem favoritos a presidente dos EUA, entre o ex Donald Trump e a atual vice, Kamala Harris, no sistema sempre mais complexo do colégio eleitoral. A ver.

Pelo já visto, não foi um trabalho ruim. Com uma média de acerto talvez nunca antes vista no jornalismo político do interior fluminense. Embora seja quase impossível, tentaremos melhorar na próxima. Sempre a partir da análise impessoal dos números e dos fatos. E na certeza: quem nega pesquisas para bradar o chavão “eleição é na urna”, quase sempre, vai chorar a dor de corno no quente da cama com a decisão soberana do voto.

Por fim, uma observação: uma oposição que se presta a bater boca com um boneco só pode ser encarada como piada. Isso posto, é pedir sua licença para me dedicar nos próximos meses, finalmente, a um projeto pessoal. E, nessa esfera, muito mais importante que qualquer eleição. Até meados do próximo ano, se Deus quiser, a gente se vê. Inté!

 

Por que Ricardo Nunes será reeleito prefeito de São Paulo?

 

Ricardo Nunes, Guilherme Boulos, Tarcísio de Freitas e Lula (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

A despeito dos “especialistas” cometa, que só passam de 2 em 2 anos para opinar sobre eleição entre os antolhos da paixão e/ou interesse, eleição majoritária de dois turnos se dá entre dois eixos. No 1º turno, uma disputa de piso, definida pela intenção de voto. No 2º turno, uma disputa de teto, determinada pela rejeição.

Salvo algo muito fora da curva nos 14 dias que separam o eleitor das urnas do 2º turno, Ricardo Nunes (MDB) será reeleito prefeito de São Paulo em 27 de outubro. E não há nisso nenhuma expressão de desejo ou simpatia, apenas o reconhecimento objetivo do que os números de todas as pesquisas projetavam desde o 1º turno.

Guilherme Boulos (Psol), pelo perfil político e grande rejeição, é uma espécie de Marcelo Freixo (hoje, PT) de São Paulo. O paulista, bem verdade, conseguiu pelo menos ir ao 2º turno, a partir do racha da direita no 1º entre Nunes e Pablo Marçal (PRTB). Freixo, contra Cláudio Castro (PL) a governador do RJ em 2020, mesmo trocando o Psol pelo PSB na tentativa de diminuir sua rejeição, nem isso. A chance real de eleição de Boulos seria um 2º turno contra Marçal.

Isso posto, o fato: enquanto a esquerda brasileira não atuar com pragmatismo e matemática no lugar de maniqueísmo ideológico e oba-oba, enquanto não trocar o desejo masoquista de “resistência” pelo de vitória política, continuará abrindo veredas ao crescimento da direita no Brasil. Como se deu e se dá aos olhos de qualquer observador racional destas eleições municipais brasileiras.

A reeleição de Nunes, se confirmada, apontará o grande vencedor em São Paulo: o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Que bancou o prefeito e peitou Marçal, como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não teve coragem de fazer. Como, no caso da improvável eleição de Boulos, o vencedor político seria o presidente Lula (PT). Será semeadura para colher em 2026. A ver.

 

Quem foi o maior vencedor e perdedor da urna de Campos?

 

(Arte: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

 

Wladimir vence, Rodrigo perde

Quem foi o grande vencedor da eleição municipal de Campos? Se não há dúvida ao afirmar que foi o prefeito Wladimir Garotinho (PP), reeleito no 1º turno com 19 dos 25 vereadores, parece também não haver dúvida para reconhecer o grande perdedor do pleito: o presidente da Alerj, deputado Rodrigo Bacellar (União). Isso foi exposto aos campistas na derrama de recursos, com bandeiras do 44 em todas as principais ruas do município. Nada muito diferente do que Anthony Garotinho (hoje, REP) fez em 2004 e 2006, quando Rosinha era governadora, pelo então candidato a prefeito do casal, Geraldo Pudim (hoje, PV e aliado dos Bacellar).

 

Vaidade desnecessária

Foram vários erros cometidos pela oposição liderada por Rodrigo, a despeito de suas virtudes para chegar tão rápido a presidente da Alerj. O primeiro foi colocar sua imagem pessoal, que não concorria a nada, em toda a propaganda não só da Delegada Madeleine (União) a prefeita, como dos candidatos a vereador. Num exercício de vaidade desnecessário. E desinteligente diante das pesquisas que apontavam a reeleição de Wladimir no 1º turno desde a GPP de março de 2023. Como foi a Iguape de julho daquele ano que sepultou, por baixa intenção de voto, a ideia do presidente da Câmara Municipal, Marquinho Bacellar (União), vir a prefeito.

 

Com Rodrigo x sem Garotinho

Como a terceirização da principal candidatura majoritária da oposição foi definida ainda em 2023, pela pouca chance de um Bacellar bater o prefeito, por que depois associar Rodrigo a Madeleine na propaganda de 2024? Sobretudo quando nenhuma das 7 pesquisas registradas no TSE neste ano eleitoral, incluindo a desaparecida Paraná de setembro, jamais deixou de apontar a vitória de Wladimir no 1º turno? A primeira decisão, pragmática, é oposta à vaidade da segunda. Ademais, pode ter gerado no eleitor a ideia que Madeleine, se eleita, seria só uma preposta de Rodrigo. Imagem que Wladimir conseguiu desfazer em relação ao pai.

 

Goleada de 19 a 6 e disputa da artilharia

A maior derrota dos Bacellar no domingo (6), porém, não veio do pleito a prefeito de Campos mais fácil de antever desde a reeleição de Rosinha ao cargo em 2012. Veio naquela que era considerada a especialidade dos presidentes da Alerj e da Câmara de Campos: a eleição legislativa. Onde os recursos de Rodrigo não impediram a goleada de Wladimir nos vereadores por 19 a 6. Com uma derrota particular: Marquinho não teve menos voto só que o governista Kassiano Tavares (PP), reeleito como edil mais votado. Ficou também atrás da jovem estreante Thamires Tavares (PMB). Cuja eleição deve ao pai, o deputado estadual Thiago Rangel (PMB).

 

Dinheiro x voto

Reeleito prefeito no 1º turno de 2024, em tendência confirmada por 13 pesquisas (incluindo três Quaest não registradas) em mais de 18 meses de medição antes da urna, Wladimir se cacifa a voos maiores em 2026. Assim como o prefeito Eduardo Paes (PSD), reeleito na cidade do Rio também em turno único e virtual candidato a governador do estado daqui a dois anos. Que é o objetivo também de Rodrigo. Se concretizado, a derrota acachapante na Campos de 2024 tem lições a ensinar. A principal? Dinheiro pode ter importância preponderante em eleição proporcional. Na majoritária, embora também influa, o fundamental é ter voto.

 

Virgem de 2º turno em Campos

Há outra lição. Que se tira da comparação da derrama de recursos nas eleições a prefeito de Campos em 2004 e 2006 (após a primeira ter sido anulada pela Justiça), ambas com os Garotinho no controle do Executivo estadual, e na de 2024 com os Bacellar no controle do Legislativo estadual. Embora tenha perdido duas eleições seguidas ao apostar em Pudim, fraco de voto, Garotinho conseguiu levar seu candidato ao 2º turno a prefeito. Com Bruno Calil (hoje, MDB) em 2020 e Madeleine em 2024, Rodrigo ainda não conseguiu levar um candidato seu além do 1º turno em Campos. Os Bacellar têm que aprender a disputar eleição majoritária.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

Pesquisas: Folha projeta e acerta eleição de 10 prefeitos na região

 

(Infográfico: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

No sábado (5), no blog Opiniões, e no início da manhã do domingo de eleição (6), na coluna Ponto Final, a Folha projetou a reeleição dos prefeitos Wladimir Garotinho (PP) em Campos, Carla Caputi (União) em São João da Barra, Welbert Rezende (Cidadania) em Macaé, Geane Vincler (União) em Cardoso Moreira, Léo Pelanca (PL) em Italva, Valmir Lessa (Cidadania) em Conceição de Macabu, Marcelo Magno (PL) em Arraial do Cabo e Fábio do Pastel (PL) em São Pedro da Aldeia. Assim como a eleição de Dr. Serginho (PL) e Carlos Augusto Balthazar (PL), pela oposição, como prefeitos, respectivamente, de Cabo Frio e Rio das Ostras.

Com a conclusão da apuração das urnas de domingo (6) pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), todos esses 10 candidatos antecipados pela Folha foram eleitos prefeitos. No particular de Campos, além da reeleição de Wladimir em turno único, foi projetado que esta se daria entre 64% a 74% dos votos válidos. E ele teve 69,11%. Como foi projetado que a Delegada Madeleine (União) teria entre 17% e 27% dos votos válidos. E ela teve 24,22%. Como se projetou que o teto do Professor Jefferson (PT) seria de 7% dos votos válidos. E ele teve 4,75%.

Negadas, sonegadas, desaparecidas e até fraudadas (confira aqui e aqui) na eleição de Campos, as pesquisas eleitorais se confirmaram na urna da cidade e de outros 9 municípios do Norte e Noroeste Fluminense e Região dos Lagos. Enquanto quem apostou no chavão “a pesquisa que conta é a das ruas”, como quase sempre, chora desde ontem no quente da cama com o resultado da urna.

 

Publicado hoje na Folha da Manhã.

 

Projeção da eleição a prefeito de Campos e outros 9 municípios

 

(Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)

 

Até que os votos sejam depositados na urna amanhã, na decisão soberana e secreta do eleitor, tudo pode mudar. Mas a partir da análise de mais de 30 pesquisas eleitorais registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e de consumo interno das principais campanhas, o que é possível projetar hoje, sem paixão ou expressão de desejo, sobre as eleições a prefeito de Campos e de outros 9 municípios do Norte e Noroeste Fluminense e Região dos Lagos:

 

CAMPOS (onde um teto, se alcançado, achata os demais)

Prefeito Wladimir Garotinho (PP) — Reeleito com piso de 64% dos votos válidos e teto de 74%.

Delegada Madeleine (União) — Piso: 17% dos votos válidos. Teto: 27%.

Professor Jefferson (PT) —  Teto: 7% dos votos válidos.

Os 4 demais candidatos a prefeito, cada um — Teto: 3% dos votos válidos.

 

SÃO JOÃO DA BARRA

Prefeita Carla Caputi (União) reeleita.

 

MACAÉ

Prefeito Welbert Rezende (Cidadania) reeleito.

 

CARDOSO MOREIRA

Prefeita Geane Vincler (União) reeleita.

 

CABO FRIO

Dr. Serginho (PL) eleito prefeito.

 

RIO DAS OSTRAS

Carlos Augusto Balthazar (PL) eleito prefeito.

 

ITALVA

Prefeito Léo Pelanca (PL) reeleito.

 

CONCEIÇÃO DE MACABU

Prefeito Valmir Lessa (Cidadania) reeleito.

 

ARRAIAL DO CABO

Prefeito Marcelo Magno (PL) reeleito.

 

SÃO PEDRO DA ALDEIA

Prefeito Fábio do Pastel (PL) reeleito.

 

Brasil e América do Sul têm um novo xerife no futebol

 

O Botafogo foi, pela primeira vez, campeão da Libertadores da América em 2024, título mais importante dos seus 120 anos de história no futebol

 

 

Botafogo, por isso é que tu és

 

Os inquestionáveis 3 a 0 que levou ontem (11), no Qatar, do Pachuca, 16º colocado do campeonato do México, foi um vexame do Botafogo? Sim, foi. Isso mancha o ano histórico do clube carioca, em que conquistou com merecimento uma inédita Libertadores e um Brasileiro que não levava há 29 anos? Absolutamente, em nada!

Flamengo e Palmeiras amassados — Na balança deste 2024 perto do fim, o Botafogo está de parabéns. No Brasileiro, não apenas venceu, mas amassou os dois clubes que dividiam nos últimos 8 anos a hegemonia do futebol nacional. Em 18 de agosto, meteu 4 a 1 no Flamengo, seu maior rival regional e campeão brasileiro em 2019 e 2020. E, em 26 de novembro, deu de 3 a 1 no Palmeiras, seu maior rival nos dois últimos Brasileirões, que o clube paulistano levantou em 2016, 2018, 2022 e 2023.

Do basquete ao futebol — Em 2024, o Botafogo meio que repetiu a Palmeiras e Flamengo, no futebol, a advertência que Michael Jordan deu a Magic Johnson e Larry Bird num dos jogos-treino do Dream Team do basquete dos EUA antes das Olimpíadas de Barcelona 1992. No qual Johnson diz que Jordan deu a maior exibição de basquete que viu em sua vida.  Ao final dela, como gênio dos anos 1990, quando deu ao Chicago Bulls 6 títulos da NBA, Jordan disse aos dois grandes astros dos anos 1980, nos quais não existiu final da NBA sem o Los Angeles Lakers de Magic ou o Boston Celtics de Bird:

— Vocês tiveram o seu tempo, mas tem um xerife novo na cidade.

Exorcismo — No caso do Botafogo, diferente de Jordan, bem verdade que houve titubeio. Mas após reconquistar em 2024 o Brasileiro que vencera pela última vez em 1995, além de outro, atribuído pela CBF à conquista da Taça Brasil em 1968, do qual até o Goytacaz participou, o Botafogo exorcizou seus fantasmas de 2023. Quando chegou a ter 13 pontos de vantagem, mas pipocou para perder o Brasileirão mais ganho da história. Em realidade incredível à ficção, foi a maior assombração do futebol brasileiro desde os 7 a 1 da Alemanha em 2014.

Cara e caráter de campeão — Ajustes de contas no Brasileiro ao largo, a Libertadores da América foi a grande conquista do Botafogo. Não só de 2024, mas dos 120 anos de história do clube. No 1º jogo da semifinal, goleou por 5 a 0 o copeiro uruguaio Peñarol, que vinha de eliminar o Flamengo nas quartas. Mas seria na final de jogo único, ao bater o Atlético Mineiro por 3 a 1, mesmo com um homem a menos desde os 30 segundos de jogo e sem o técnico português Artur Jorge promover substituições defensivas, que o Botafogo mostrou cara e caráter de verdadeiro campeão.

Botafoguense médio — Embora haja exceções, não é equivocado o juízo que atribui o caráter arrogante, grandiloquente e megalômano ao torcedor flamenguista médio. O que se reforça pelo fato de o Flamengo ser o clube de maior torcida e mais títulos estaduais, nacionais e internacionais entre os cariocas. Com menos títulos, em diferença agora menos longínqua, o torcedor médio do Botafogo tem características bastante semelhantes com aqueles que julgam seus maiores rivais — no antiflamenguismo que os une a vascaínos e tricolores.

Além da bipolaridade política — Essa característica botafoguense, na média arrogante do flamenguista, extrapola até a bipolaridade política do país. Pode ser um ex-marxista convertido em democrata de centro-esquerda. Que, quando se trata do seu Fogão, vira o típico tiozão de WhatsApp bolsonarista. Pode ser um profissional da saúde que negou a ciência para defender cloroquina na pandemia da Covid. E delirou com a anulação do Brasileiro que o Botafogo perdeu no campo em 2023, como com uma nova eleição presidencial após a que perdeu com Bolsonaro nas urnas em 2022.

Bravataria — Essa falta de contato com a realidade não é exclusiva à torcida pelo clube. Se repete também na torcida pela Seleção Brasileira, na qual não há torcedor mais megalômano que o botafoguense médio. A ele(a), pouco importa se o Brasil não ganha jogo eliminatório de Copa do Mundo contra uma seleção europeia desde a final vencida contra a Alemanha em 2002 — 22 anos e seis Copas atrás. Na última, umas cervejas a mais bastaram para bravatear “Brasil campeão” após a vitória de 4 a 1 nas oitavas sobre o temível esquadrão da… Coreia do Sul.

Parado no tempo de Pelé e Garrincha — É a mesma soberba tola, e em geral ébria, capaz de ver favoritismo do Brasil no futebol mundial porque “nós já tivemos Pelé e Garrincha”. Mesmo que os dois gênios, já falecidos, não joguem pela Seleção há 54 anos — mais de meio século. Independente do seu clube do coração, não há notícia de um torcedor da Hungria que julgue sua seleção favorita numa Copa do Mundo porque seu país já teve Puskás. Como não há torcedor da Inglaterra que julgue esta favorita, nem mesmo na Euro, porque seu país já teve Stanley Matthews.

Mesmo tão apaixonados pelo futebol quanto os brasileiros, até os botafoguenses, o fato é que húngaros e ingleses têm mais noção de ridículo.

Melhores no Mundial — A derrapada do Botafogo ontem contra o Pachuca o torna historicamente inferior ao Flamengo de 2019, que foi um time melhor. E também ganhou naquele mesmo ano o Brasileiro, com mais facilidade, e a Libertadores. Assim como, em resultados internacionais, o Botafogo de 2024 ficou abaixo do Palmeiras de 2021/2022 e do Fluminense de 2023. Mesmo que estes dois tivessem times tecnicamente inferiores, de futebol menos vistoso, que o atual campeão do Brasil e América do Sul.

Nas finais — O fato é que Flamengo de 2019, o Palmeiras de 2021 e o Fluminense de 2023 chegaram à final do Mundial. Em que todos perderam. Flamengo e Palmeiras ainda conseguiram jogar de igual para igual, respectivamente, contra o Liverpool (0 a 1 na prorrogação) e o Chelsea (1 a 2 também definido na prorrogação). O Fluminense também tentou jogar de igual para igual contra o Manchester City de Pep Guardiola. E tomou uma sapatada de 0 a 4.

Luso espanta chororô — Antes de o modelo da Copa do Mundo de Clubes estrear em 2025, o Botafogo foi o primeiro sul-americano a ter que disputar as quartas de final do Mundial. O Flamengo de 2019, o Palmeiras de 2021 e o Fluminense de 2023 entraram direto nas semifinais, diminuindo a possibilidade de tropeço. Que, em 2024, não deve ser justificado pelo cansaço, como o próprio Artur Jorge frisou para espantar o chororô. Como, antes do português, a pipocada no Brasileiro de 2023 não deveria ser creditada a erros de arbitragem tão supostos quanto seletivos.

Abaixo do Santos de Pelé — Pela primeira vez no último quarto de século, o Botafogo não precisa mais viver de um passado verdadeiramente glorioso, mas distante, quando deu com o Santos a base da Seleção Bicampeã Mundial em 1958 e 1962. Testemunhado por poucos torcedores ainda vivos, foi um tempo em que os estaduais de clubes importavam mais que os títulos nacionais e internacionais. A não ser ao Santos de Pelé, que superou o Botafogo de Garrincha para ser bicampeão da Libertadores e do Mundial em 1962 e 1963.

Glória presente e futuro da SAF — O Botafogo teve o melhor ano da sua história em 2024. Não precisa mais viver de ressentimento pela distância do seu passado de glória. Que, finalmente, se fez maior no presente. E mesmo sem o craque argentino Almada em 2025, quer Artur Jorge fique ou não, promete durar enquanto continuar entrando o dinheiro do controverso milionário estadunidense John Textor. Em um modelo de SAF que demanda tempo para provar ser capaz de deixar residual sustentável. E que Palmeiras e Flamengo dispensam para serem donos dos próprios narizes.

É a economia, estúpido! — O tropeço do Botafogo contra o Pachuca não macula o ano do clube brasileiro. Nem fará com que o 16º colocado do campeonato do México assuma a ponta da tabela. Na verdade, por motivos econômicos, só provou que a distância entre o futebol de clubes da Europa e o da América do Sul é muito maior do que deste para América do Norte, Ásia e África.

Novo xerife da Estrela Solitária — No Brasil e na América do Sul, no entanto, há um novo xerife na cidade. Cuja autoridade se impõe no brilho da Estrela Solitária.

 

Atualização às 14h38 de 13/12 para correção.